Em dia de reflexão, em tempos digitais, onde ter um dia de reflexão é um anacronismo de outros tempos e que não faz sentido na era digital, podemos refletir sobre os assuntos que estiveram ausentes do debate político.
Estranhamente, a educação, a ciência e a cultura são temas essenciais para o futuro do país, mas pouco presentes no dia a dia das preocupações dos responsáveis e dirigentes. São o alicerce do nosso futuro, mas depois de semanas de debates televisivos e de campanha eleitoral é com espanto que concluímos que a Cultura continua a ser um assunto menor na vida de quem tem responsabilidades públicas.
Considero a cultura como um fim em si mesmo, a nossa matriz identitária, como escreveu Rui Horta, a cultura aproxima-nos, eleva-nos, e ajuda-nos a cruzar as nossas diferenças, é a cola de que necessitamos num mundo fraturante e cheio de diferenças. Só poderemos desenvolver todo o potencial como país, relevando a dimensão humana e investindo na realização e na construção de desígnios maiores, promovendo o nosso desenvolvimento individual e coletivo, se tivermos uma população culta e qualificada – esta deveria ser a grande preocupação da sociedade como um todo, e dos políticos em particular.
É precisamente nesta qualificação do potencial humano que a cultura profundamente atua. Na assertividade do cidadão e no estimular a iniciativa. Na apetência pelos valores de cidadania e pela vida cívica. Na capacidade de argumentação, na escuta e no respeito pelo outro. Na civilidade e na descodificação da complexidade de uma sociedade. No germinar da criatividade. Na valorização da arte e do artista. No apoio à promoção da cultura. Na intensificação de valores que nos elevam. Na utopia de acreditar em projetos diferenciadores. Na metamorfose da sociedade. Como disse Eduardo Lourenço, «a cultura é um exercício de desestruturação, não de acumulação de coisas. É uma constante relativização do nosso desejo, legítimo, de estar em contacto com aquilo que é verdadeiro, belo, bom».
A Candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura foi o maior projeto de elevação cultural orquestrado na região da Beira Interior em muitos anos. Muito para além da escolha e nomeação da Guarda como cidade capital europeia da cultura fica a semente, a ideia, o projeto, a capacidade de agregar toda uma região à volta de um desígnio; e fica a capacidade de sonhar numa utopia que vai muito para além de 2027, a possibilidade de em territórios como o da Guarda, do interior profundo de Portugal, acreditarmos na cultura como âncora e agente mobilizador de vontades e de desenvolvimento. É urgente que a Guarda volte a agarrar esta ideia extraordinária. É urgente que a Guarda volte a perceber que não pode deixar morrer esse grande desiderato.
É essencial que a região valorize as suas competências patrimoniais (naturais, construídas, móveis e simbólicas) e a criação contemporânea (nas artes, na literatura, na educação, no design, nas aplicações, na indústria, no comércio, no lazer, no turismo, no território) enquanto condição de liberdade individual e coletiva. Esta valorização é estratégica para a competitividade e emprego, para contrariar o despovoamento, mas também para a inclusão, a criação de riqueza e para a democracia plena.
Luís Baptista-Martins