A sessões da Assembleia Municipal da Guarda que sejam agendadas até ao dia 30 deste mês, mesmo tendo lugar no grande auditório do TMG, não podem «ser realizadas com público», o que significa «que não poderão, nesta fase, ser assistidas e participadas pelos cidadãos».
Esta é a conclusão em que coincidem os pareceres que a presidente do órgão autárquico deliberativo, Cidália Valbom, solicitou a três entidades: o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro e a Autoridade de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde do Centro.
Os três documentos, a que a Rádio teve acesso, referem expressamente que as reuniões, podendo ser presenciais, estão vedadas a outros participantes para além dos eleitos locais ou dos elementos necessários ao desenrolar dos trabalhos.
Poderá, assim, não haver “surpresa” na sessão agendada para amanhã, dia 19, no grande auditório do Teatro Municipal da Guarda. Desde há um ano (após a renúncia de Álvaro Amaro à presidência da Câmara) que a presidente da Assembleia Municipal segue a prática de convidar cidadãos para intervirem, sem conhecimento público prévio, antes da ordem de trabalhos.
Agentes da protecção civil, estudantes das escolas do ensino secundário e do Instituto Politécnico e elementos das forças de segurança foram alguns dos intervenientes neste modelo, que chegou a suscitar críticas das bancadas municipais (inclusivamente a do PSD) pelo facto de não lhes ter sido comunicado com antecedência.
Cidália Valbom explicou sempre que apenas pretendeu suscitar «através do exemplo» a «participação e intervenção dos cidadãos» nas sessões da Assembleia, que, embora prevista, é praticamente escassa.
Com uma reunião marcada para esta sexta-feira (correspondendo à ordinária de Abril, cuja realização ficou adiada devido à pandemia) e outra agendada para o último dia do mês (a que normalmente já teria lugar no final de Junho), resta saber se a prática da “surpresa”, como ficou conhecida, é suspensa (ou abandonada definitivamente) ou se a presidente da Assembleia Municipal usará a prerrogativa do convite como forma de integrar eventuais intervenções de não eleitos.
Os três pareceres tinham sido solicitados por Cidália Valbom a título de «pedido de pronúncia», na sequência da polémica relacionada com a não realização de uma sessão extraordinária da Assembleia, que chegou a estar agendada para o dia 11 de Maio.
A iniciativa tinha em vista a discussão de perspectivas para o futuro do concelho, no contexto da pandemia de covid-19, e das respostas à crise económica e e social.
Na ordem de trabalhos estavam as intervenções iniciais de elementos da Unidade Local de Saúde da Guarda, do Núcleo Empresarial da Região da Guarda, da União Distrital das Instituições Particulares de Solidariedade Social, da Associação de Criadores de Ruminantes do Concelho da Guarda e da Associação de Agricultores para a Produção Integrada de Frutos de Montanha.
Mas a presidente da Assembleia tinha também convidado o antigo presidente da Câmara, Álvaro Guerreiro, para intervir no início da sessão, como forma de evocar os quinze anos do Teatro Municipal da Guarda.
A sessão acabou por não ter lugar, porque Carlos Chaves Monteiro determinou a não cedência do equipamento. O presidente da Câmara disse estar apenas «a cumprir e fazer cumprir a lei», remetendo para uma indicação da Directora-Geral de Saúde, Graça Freitas, e para um parecer da da Delegada de Saúde Coordenadora da Unidade Local de Saúde da Guarda, Ana Isabel Viseu, que determinava a não realização da Assembleia Municipal extraordinária.
Cidália Valbom classificou a decisão do presidente da Câmara como «autoritária, injusta, prepotente, imoral e ilegal». E iniciou uma série de pedidos de pareceres, com a finalidade de, ainda durante o mês de Maio, voltar a marcar a reunião cancelada.
Mas apenas a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional responderia em tempo útil.
Num parecer de 21 de Maio, assinado pela directora do Apoio Jurídico e à Administração Local, Maria José Castanheira Neves, é referido não existir, genericamente, fundamento para «a proibição dos órgãos autárquicos realizarem, até 30 de junho de 2020, as suas sessões ou presencialmente nos espaços físicos adequados, sempre que, para o efeito, cumpram as condições de segurança mínimas exigidas, designadamente de distanciamento entre pessoas, para a proteção da saúde dos seus membros neste contexto de pandemia».
A jurista ressalva, porém, a «suspensão até 30 de junho de 2020 da obrigatoriedade de realização pública destas sessões ou reuniões, devendo, no entanto, serem as sessões ou reuniões gravadas e colocadas no sítio eletrónico da autarquia, sempre que tal seja tecnicamente viável».
Maria José Castanheira Neves lembra ainda que «os órgãos autárquicos são independentes entre si» e que «o cumprimento deste princípio não permite que a câmara municipal tenha qualquer poder de intervenção no funcionamento da assembleia municipal ou, vice-versa, a assembleia municipal tenha qualquer poder de intervenção no funcionamento da câmara municipal».
Os outros dois pareceres (do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública e da Autoridade de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde do Centro) só foram enviados a Cidália Valbom na semana passada. Mas a presidente da Assembleia Municipal não os tornou todos públicos, optando por manter sob reserva o único que não lhe era favorável. Ficou assim de fora a resposta do Delegado de Saúde Pública para a Região Centro, João Pedro Pimentel.
Numa comunicação aos deputados municipais e aos presidentes de junta, na terça-feira, dia 16 (já depois ter ter recebido todos os documentos) Cidália Valbom invocava «o respeito pessoal e institucional que todos me merecem e em nome do qual tudo farei, enquanto Presidente da Assembleia Municipal, para dignificar este órgão, que todos, estou certa, nos orgulhamos de representar».
Assim, «é pela reposição da verdade que levo ao vosso conhecimento os Pareceres, que anexo, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRCentro) e da Senhora Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública». Os únicos a partir dos quais podia ser feita uma interpretação que iria de encontro à posição da presidente da Assembleia Municipal.
O gabinete da ministra Alexandra Leitão recorda a «possibilidade de as reuniões ordinárias dos órgãos deliberativos e executivos das autarquias locais e das entidades intermunicipais, previstas para abril e maio, se realizarem até ao dia 30 de junho de 2020, ao mesmo tempo que se prevê que até este dia 30 de junho, a obrigatoriedade da realização pública dessas reuniões está suspensa, ou seja, não poderão estas reuniões ter a presença de pessoas externas aos respetivos membros, ainda que deva ser assegurada a hipótese da disponibilização da gravação das reuniões no portal da autarquia, sempre que existam meios técnicos para o efeito».
Quanto à limitação de ajuntamentos com número superior a 10 ou 20 pessoas, conforme a natureza dos eventos, é referido que não se aplica, por a realização das sessões da Assembleia Municipal não se tratar de «eventos no sentido estrito do termo».
Assim, o ministério conclui que «desde que sejam respeitadas as regras de ocupação, permanência e distanciamento físico e as instruções elaboradas pela DGS» a Assembleia Municipal poderá reunir, «ainda que se realize com os 87 membros em regime presencial», até ao dia 30 de Junho de 2020, desde que cumpridas as «regras definidas para ocupação do respetivo Teatro Municipal».
Diferente é, porém, o parecer da Autoridade de Saúde Regional. Mas também é o único que vai, concretamente, ao cerne da polémica: o agendamento, para 11 de Maio, de uma sessão extraordinária da Assembleia Municipal.
O Delegado de Saúde Regional do Centro, João Pedro Pimentel, responde a um pedido de pronúncia que é também uma denúncia, por parte de Cidália Valbom, da actuação da Delegada de Saúde Coordenadora da ULS da Guarda.
A presidente da Assembleia Municipal escreve que, ao ter produzido um parecer a partir do qual o presidente da Câmara não autorizou a cedência do espaço, Ana Isabel Viseu «extravasou as suas competências» ao «fazer interpretações jurídicas», quando apenas lhe competia «definir regras de segurança a cumprir». «Foi o que fez, e bem, a autoridade de saúde concelhia», recorda Cidália Valbom, referindo-se à intervenção da estrutura coordenada pelo Delegado de Saúde, José Valbom.
Mas esta argumentação não teve acolhimento em Coimbra. João Pedro Pimentel não deixa dúvidas: «tendo presente o pedido de V. Ex.ª para realizar Assembleia Municipal Extraordinária no passado dia 11 de maio, informa-se que se concorda com o parecer emitido à data pela Senhora Delegada de Saúde Coordenadora da ULS da Guarda, tendo presente quer a situação de estado de emergência quer a situação epidemiológica vivida».
O Delegado de Saúde Regional do Centro conclui que «muito apropriadamente o parecer da Senhora Delegada de Saúde Coordenadora se baseou ainda no princípio da precaução, instrumento fundamental em saúde pública, que nesta pandemia contribui, através da valorização do distanciamento físico, para impedir cadeias de transmissão e fazer diminuir o número de novos casos desta doença».
E recorda que «dos vinte e dois casos de COVID 19 registados no concelho da Guarda, vinte ocorreram até ao dia 8 de Maio», ou seja, no período em que estava a ser agendada uma sessão extraordinária da Assembleia Municipal.
Esta resposta de João Pedro Pimentel, com data de 9 de Junho, não foi incluída na documentação remetida por Cidália Valbom aos eleitos locais.