Desta vez parece ser definitivo. Apesar de o não ter assumido de viva voz (a Rádio tentou, sem sucesso, um contacto telefónico ao longo da manhã), Agostinho Gonçalves terá apresentado a demissão do cargo de presidente da comissão política concelhia da Guarda do Partido Socialista.
Pelo menos essa é a informação que consta de um comunicado que tornou público ontem à tarde, onde garante que não tomou a decisão «de ânimo leve ou movido por qualquer retaliação» mas apenas «com mágoa», porque concluiu que a estrutura que dirige foi votada «a um total degredo e aberrante desprezo institucional» pela liderança nacional do PS, que acusa de promover «uma estratégia de “limpeza étnica” (em termos políticos, leia-se), numa clara purga e perseguição de determinados militantes».
Todo o comunicado de Agostinho Gonçalves é escrito neste tom crítico, chegando ao ponto de caracterizar os dirigentes nacionais como «cúpula, ao estilo “União Nacional”, de um estalinismo primário, que deveria envergonhar qualquer socialista».
«Lamento que se tenha chegado ao ponto de um presidente de concelhia não conseguir, sequer, obter resposta às várias mensagens de correio eletrónico enviadas às estruturas nacionais do partido», refere, acusando o PS de «dialogar com “estruturas sombra”», que diz serem «corporizadas por um conjunto de distintas e anónimas individualidades».
Assim, a direção nacional de António Costa «ostraciza as estruturas locais, na hipótese de os seus dirigentes não serem do agrado dos “senhores e senhoras” que mandam», conclui. Um conceito de «”partido único”» do qual o demissionário presidente da concelhia declara que «não farei parte», afirmando que «serei do Partido Socialista enquanto me deixarem».
A Rádio procurou que a Agostinho Gonçalves esclarecesse o teor e as razões desta posição, mas não obteve resposta às tentativas de contacto.
A confirmar-se a demissão, terá chegado ao fim um longo período de «ponderação», na própria expressão tornada pública pela mesma via em meados de Julho. Ponderava, concretamente, apresentar já então a demissão do cargo de presidente da concelhia, caso os candidatos a deputados pelo círculo da Guarda às eleições legislativas de Outubro não fossem escolhidos tendo em conta a posição da estrutura local. Uma posição que seria secundada, em jeito de alerta, pelo vereador na Câmara, Eduardo Brito [ver notícia aqui]
A direção nacional foi nessa altura também alvo de críticas, por ter ignorado as indicações da concelhia da capital do distrito. A proposta inicial da federação distrital do PS apontava para os lugares elegíveis (depois da cabeça de lista, Ana Mendes Godinho, indicada pelo secretário-geral) os nomes do próprio presidente, Pedro Fonseca, e de Olga Marques (de Celorico da Beira) [ver notícia aqui]. Mas foi rejeitada pela comissão política distrital.
Pedro Fonseca demitiu-se de imediato [ver notícia aqui]. Seguiu-se todo o secretariado da federação [ver notícia aqui]. E Agostinho Gonçalves ameaçou fazer o mesmo, se nenhum militante da estrutura que liderava não figurasse em lugar de destaque. O que não aconteceu (embora tanto Fábio Pinto, pela Juventude Socialista, como Marisa Fonseca, pelas Mulheres Socialistas, militantes na Guarda, tenham preenchido duas posições suplentes, numa lista encerrada pela agora secretária de Estado da Ação Social, Rita Cunha Mendes).
O elenco definitivo acabou por ser desenhado em Lisboa, reconduzindo o deputado Santinho Pacheco [ver notícia aqui], agora em segundo lugar, seguido de Cristina Sousa, de Seia.
Porém, o anúncio da demissão do presidente da concelhia daria lugar a um período de «ponderação», durante o qual a estrutura praticamente não compareceu na campanha eleitoral para as legislativas e Agostinho Gonçalves renunciou ao cargo de coordenador da bancada do PS na Assembleia Municipal da Guarda, tendo faltado à sessão de Setembro, realizada a poucos dias das eleições.
Já numa recente reunião da comissão política concelhia, o agora presidente demissionário declarou que não se recandidataria e comunicou que também iria renunciar ao mandato na Assembleia Municipal, a exemplo do que fizera o cabeça de lista do PS àquele órgão autárquico (e que antecedeu Agostinho Gonçalves na coordenação da bancada), Joaquim Carreira, que ao fim de um ano de suspensão [ver notícia aqui] decidiu-se pela saída.
Mas a sucessão de anúncios e fases de reflexão levou alguns dos militantes, mesmo os que integram os órgãos diretivos, a não tomarem como definitivos os propósitos declarados por Agostinho Gonçalves.
Agora há, pelo menos, um comunicado público, ainda que não confirmado por declarações do presidente da concelhia. E a demissão, a efetivar-se, antecipa apenas em pouco mais de um mês o termo do mandato dos órgãos concelhios.
Agostinho Gonçalves foi o primeiro beneficiário dos votos da vaga massiva de novos filiados, que entraram para os cadernos eleitorais do Partido Socialista da Guarda a partir de meados de 2016 [ver notícia aqui].
Os duzentos novos militantes, que tiveram Joaquim Carreira como proponente formal [ver notícia aqui], acabaram por dar a vitória folgada ao sucessor de João Pedro Borges [ver notícias aqui e aqui]. E foram, dois meses depois, determinantes (juntamente com os votos dos filiados em Celorico da Beira) para a ascensão de Pedro Fonseca a presidente da federação distrital socialista [ver notícias aqui e aqui], apenas um ano e meio depois de ter integrado a vaga de transferências do PAN (Pessoas, Animais, Natureza) para o PS [ver notícia aqui].
Pedro Fonseca já não é militante na Guarda. Mas o ex-presidente da federação pode manter forte ascendente sobre os destinos do Partido Socialista no concelho e no distrito. Pedro Fonseca e o irmão, José Fonseca (outro filiado desde 2016, dirigente concelhio e deputado na Assembleia Municipal da Guarda), são os elementos de ligação com os novos militantes. Mesmo após o ciclo eleitoral interno de 2018 eles continuaram a entrar. São neste momento perto de 400. E, logo que possuam capacidade eletiva (quotas pagas), poderão voltar a ditar, em massa, os destinos – pelo menos no plano formal – do PS da Guarda.
No comunicado onde anuncia o pedido de demissão como presidente da comissão política concelhia, Agostinho Gonçalves ironiza: «Agora é tempo de D. Sebastião». Como que a avisar que, quem quer que concorra para lhe suceder, mesmo que eventualmente com o apoio das estruturas nacionais, terá primeiro de atravessar o denso nevoeiro de um hipotético sindicato de votos.
Os cerca de 400 novos filiados voltarão a determinar os vencedores, tanto na concelhia como na federação distrital. E os mentores, desde 2016, de tamanha adesão quererão ter uma palavra a dizer na gestão desta “bolsa de apoio”.